Eu penso que a recente discussão sobre o Ensino a Distância (EAD) necessita de uma revisão histórica e de perspectiva. Antes de mais nada, é importante destacar algumas premissas econômicas, considerando que a educação é uma ferramenta poderosa para resolver esses dilemas. O Brasil é um país com profundo abismo social, evidenciado tanto pelo índice de Gini do Banco Mundial quanto pela metodologia recente do World Inequality Database. Chegamos a duas conclusões claras: a) o Brasil apresenta os maiores índices de concentração de renda na América Latina e no mundo; b) desde 2015, o grau de concentração de renda tem aumentado.
Percebemos isso nas periferias e nos rincões, onde qualquer pessoa com uma profissão formal é chamada de “Doutor”. Um levantamento recente mostra que a remuneração de um CEO no Brasil pode ser até 663 vezes maior que a média paga aos funcionários de suas respectivas empresas. Em contraste, um estudo da PayScale apontou uma diferença máxima de 434 vezes nos Estados Unidos, enquanto a agência Bloomberg identificou diferenças de 146 vezes na Alemanha e de 60 vezes na Suécia. Portanto, existe uma reserva de mercado no Brasil que remunera de maneira excepcional o topo da pirâmide social. Uma comparação possível, embora um pouco fora de contexto, é entre os salários de professores e deputados federais. No Brasil, a média salarial de professores é dez vezes menor que a dos deputados federais, que recebem o teto constitucional, enquanto na Suécia, é apenas metade.
Em vários artigos, tenho abordado como o Ensino Superior protege os profissionais do fenômeno da gig economy (uberização do trabalho), combate o desemprego, melhora salários e rompe o ciclo de miséria. Pais com ensino superior têm muito mais chances de terem filhos na faculdade do que pais sem esse nível de educação.
Hoje, quero destacar uma informação relevante sobre o “acesso”, que considero o principal problema da educação superior atualmente. O Censo de 2022, que recentemente celebramos e que chamei de “HighLights do Censo 😊”, trouxe um marco importante: 9,5 milhões de universitários, um recorde histórico.
O Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece diretrizes, objetivos e estratégias para a política educacional brasileira entre 2014 e 2024, com três metas específicas para o ensino superior. Segundo o relatório de acompanhamento do MEC, duas delas foram cumpridas antecipadamente, mas com dados em oscilação, o que pode resultar em retrocessos. A meta 12, relativa ao acesso ao ensino superior, apresenta três objetivos quantificáveis:
1) Elevar a taxa bruta de matrícula no ensino superior para 50% da população;
2) Expandir ao menos 40% das novas matrículas no ensino público;
3) Elevar a taxa líquida de matrículas no ensino superior para 33% da população de 18 a 24 anos.
Na primeira meta, somos penalizados pela histórica deficiência em reverter o lacuna da população sem ensino superior acima de 40 anos. A segunda meta pouco me interessa, pois acredito que seja mais ideológica, refletindo um momento passado e datado, considerando que atualmente cerca de 80% das matrículas estão na rede privada.
Meu foco está na terceira meta. Segundo o Censo Populacional do IBGE, em 2022, havia no Brasil 21.237.108 pessoas entre 18 e 24 anos. Conforme o INEP, desses, 21,2% abandonaram o ensino médio; 9,9% ainda frequentam o ensino médio; 1,2% ainda estão no ensino fundamental. E 20,2% frequentam o ensino superior, enquanto 4% já concluíram. Estamos apenas 1,9 milhão de jovens abaixo da meta. Como a data base do Censo 2022 é dezembro, temos um prazo de 25 meses para alcançá-la no final de 2024.
Em tempo. Em 2024 auferiremos uma população menor. Os jovens que em dezembro de 2022 estavam com 16-22 anos e, portanto, 24 meses no futuro irão compor a amostragem para a realização da terceira meta. Essa população é menor. São 20.819.257, quase meio milhão de pessoas a menos ou 137.890 matriculas a menos na meta (7% de queda).
A manutenção da expansão do ensino superior é crucial para atingir esse objetivo.
Inicialmente, as discussões se concentravam na distribuição das matrículas por região do país – em 2002, quando o Sudeste concentrava um percentual mais hegemônico do que o atual.
Depois veio a discussão da necessária interiorização do ensino.
Em 2016 apenas 1693 cidades possuíam a oferta do ensino superior em seus territórios.
Em 10 anos esse número praticamente dobrou.
Uma enorme população foi inserida no sistema em função da poderosa e capilar infraestrutura de polos que foi construída nessa década.
O resultado foi o extraordinário crescimento de matriculas retratada no último Censo.
Agora a fronteira que mais me chamou a atenção foi a das cidades pequenas com menos de 50.000 habitantes.
Antes da expansão do acesso guiado pelo Ensino a Distância, a quantidade de municípios atendido pela oferta do ensino superior havia caído 20% em pouco mais de 6 anos. Não apenas essa queda foi freada como o crescimento nos 7 anos seguintes foi de 94%.
Um total de 478 mil estudantes adicionados ao sistema somente dessas cidades.
E agora faz-se necessária uma expansão pelas comunidades do Brasil.
A cidade do rio tem um bom estudo de população em idade universitária nas salas de aula. Os números são assombrosos e o hiato social é escancarado. A população dos 5 bairros com maior presença de jovens em idade universitária e parecida (os 5 melhores representam 7,3% da população do Rio e os 5 piores representam 6,2%) o percentual da população dita em idade universitária nesses clusters é muito discrepante. Os 5 bairros mais assistidos em 10x (DEZ VEZES) mais jovens nas faculdades que os 5 bairros mais desassistidos.
Então a expansão do ensino superior sempre foi sobre cobrir regiões de alta demanda e pouca oferta.
Acho que o vídeo abaixo ilustra bem o raciocínio:
Eu acho que esse potente vídeo resume bem os vazios que vêm sendo ocupados pela educação superior privada brasileira. Em um primeiro momento numa perspectiva regional, depois de interiorização e nas pequenas cidades e – agora – nas “quebradas” do país.
Questionar o modelo que está nos levando aos objetivos do PNE me parece pouco produtivo para um país que ainda precisa capturar muito das metas que estabeleceu para seu sistema de ensino em 2012.
Esvaziar esse sistema é voltar um numero inadmissível de casas no jogo do acesso à educação.
Cabe ao MEC caçar com força as inúmeras fraudes que se acomodam sob a marca de instituições de ensino (e uma busca nos meus artigos traz bons insights de por onde começar essa pesquisa).
E deixar a iniciativa privada seguir na democratização do ensino para quem precisa.
Em uma economia que demanda essa força de trabalho.
ESSE ARTIGO SÓ FOI POSSÍVEL COM A INCRÍVEL CAPACIDADE DE PROCESSAMENTO DE DADOS DO Andrew Pereira. MEU COLEGA DE TRABALHO QUE DEDICOU SUAS HORAS LIVRES PARA GERAR ALGUNS DESSES CORTES EXCLUSIVOS DE INFORMAÇÕES PARA VOCÊ.