Ontem um amigo compartilhou comigo um artigo de um grande jornal de muita circulação carregado daqueles “lugares comuns” e sem nenhuma fundamentação (um monte de ideias publicadas sem nenhum número) que estão tomando conta do mainstream e tornando-se dominantes sem sofrer, nunca, nenhuma crítica ou provocação e que geram uma força contraria ao marketing educacional.
Como eu fujo da polêmica vou relacionar aqui apenas alguns pontos publicados pelo autor e tentar fazer alguns contrapontos que acho fundamentais nesse momento.
1. “Algumas pesquisas detectaram há tempos o desinteresse de muitos jovens pelo ensino universitário. Tendência que se intensificou em virtude da pandemia.”
Qual pesquisa? Eu nunca lí nenhuma pesquisa afirmando.
Houve desaceleração de atividade econômica em quase todos os setores e não podemos jamais projetar o solavanco pandêmico como tendência de coisa alguma.
Pelo contrário se olharmos os números do ensino superior Norte Americano e a projeção do NCES (https://nces.ed.gov/fastfacts/display.asp?id=98) graficamente as matriculas nas universidades pouco se movem nas últimas décadas e pouco se moverão segundo as projeções da entidade.

E o eventual declínio pode ser atribuído a um monte de motivos… inclusive a demografia.
Mas é sempre muito pernicioso comparar o Brasil com – virtualmente – qualquer lugar do mundo no que concerne ao acesso a universidade. Estamos falando dos EUA, um país onde SESSENTA E CINCO POR CENTO dos jovens da turma do Ensino Médio de 2020 ingressaram na universidade, frente aos DEZESSETE POR CENTO do Brasil. Temos um problema muito grave pra atacar.
O problema do acesso no Brasil é gravíssimo. É uma doença social séria no segundo país com maior número de jovens que NEM ESTUDAM NEM TRABALHAM no mundo segundo o Education at a Glance 2022. Simplesmente 36% dos jovens brasileiros estão nesta situação. NEM-NEM. Todo profissional de Marketing Educacional precisa estar alerta a essa questão.
2. “O cenário não deve ser necessariamente preocupante. Apenas reflete a profunda mudança estrutural do mundo e da sociedade, em virtude do irreversível mergulho na ciência e tecnologia produzidas pela Quarta Revolução Industrial. Diploma, em nossos dias, não significa muita coisa.”
Esse suco de conceitos colocando numa mesma frase Quarta Revolução Industrial, Mudança Estrutural do Mundo pra combater os diplomas e parecer esperto me incomodam um pouco como argumento. Falsa erudição.
Seria ÓBVIO afirmar que todos os agentes dessas revoluções tecnológicas se formaram por meio dessas técnicas que o autor considera obsoletas, arcaicas, medievais de educação. E que todos nós tanto gostamos de criticar em artigos de Linkedin.
Se o foguete da SpaceX da ré e volta para a terra, hoje, devemos muito as professoras da Waterkloof House Preparatory School que ajudaram a formar Elon Musk o visionário que ele é.
Se nós editamos o codigo genético por meio do método que laureou Tomas Lindahl com o NOBEL há alguns anos devemos isso (e ele mesmo conta no site do Prêmio) a escola secundária Bromma Laroverk. Aspas do Dr. Tomas: “Naquela época, a escola de Bromma tinha professores de excelente calibre, com Fredrik Ehrnst (matemática) e Karin Brandt (química), bem como o próprio diretor (Dr. Gustaf Iverus), sendo especialmente impressionantes e prestativos.”
UM HORROR para aqueles criticos sagazes dessa ortodoxia obsoleta.
Mas falando dos diplomas.
O Ensino Superior é um escudo contra a precarização do emprego segundo o IPEA.
“Motoristas de Aplicativo” são considerados parte da GIG Economy e vem sendo utilizados como exemplos de empregos precarizados (uma vez que não possuem vinculo trabalhista com as plataformas nas quais atuam). Entre esses motoristas 61,8% possuem o Ensino Médio completo, 19,9% o fundamental completo e 7,7% o fundamental incompleto.
Na contramão o percentual de pessoas com nível superior completo entre os motoristas de aplicativo e taxistas é de apenas 10,9% (entre Mototaxistas é de 7,1%).
O percentual para entregadores de mercadorias via motocicleta é ainda menor: 1,9%. A título de comparação, esse resultado para o total de ocupados na economia em geral é de 22%. É correto afirmar, portanto, que a faculdade protege contra a informalidade dos empregos da GIG Economy. Segundo dados do IPEA.

Blinda contra o desemprego, segundo a PNAD.
Concluir o ensino superior leva o profissional a menor taxa de desemprego por nível de ensino. Dos profissionais com faculdade apenas 5,2% estão desempregados. Como medida de comparação o desemprego para quem possui o Ensino Médio Incompleto é de 18,4% e o Ensino Médio Completo 12,6%. Segundo dados da PNAD Contínua.

Eleva a renda segundo o IBGE.
Quanto maior o nível de instrução, maior o rendimento. Aqueles que possuem ensino superior completo registram rendimento médio aproximadamente três vezes maior (R$ 5.108) que o daqueles que tinham somente o ensino médio completo (R$ 1.788). São cerca de seis vezes o daqueles sem instrução. As pessoas que não possuíam instrução apresentaram o menor rendimento médio (R$ 918). Segundo dados do IBGE.

E MAIS IMPORTANTE: É UM PODEROSO FATOR DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL.
Quebra um círculo de perpetuação da pobreza.
A escolaridade dos pais influencia carreira dos filhos. O nível educacional e de renda dos pais influencia a trajetória profissional e o salário dos filhos. Na média a escolaridade e o salário dos filhos são maiores quando os pais têm nível superior completo e empregos melhores.
Nas famílias em que os pais possuíam no mínimo o diploma da faculdade, 69,1% dos filhos também conseguiram terminar a graduação. Esse percentual cai muito nas famílias em que o pai não é alfabetizado. Nelas, apenas 4% dos filhos conseguiram completar o ensino superior. Segundo dados do IBGE.
SÉRIO… eu me pergunto o que mais alguém espera de um diploma de ensino superior?
3. “As empresas sabem disso. Não contratam pelo diploma, porém por outras aptidões que a educação formal negligenciou e continua a ignorar: as chamadas competências socioemocionais.”
QUAL EMPRESA?
Pessoal fala muito do Google. Desafio QUALQUER UM entrar agora no site do de vagas do Google no Brasil e me trazer uma vaga que não peça ENSINO SUPERIOR. Google valoriza sobremaneira a universidade. Não à toa os TDLs .edu são um poderoso buster no seu algoritmo de ranqueamento.
Não apenas pedem diploma como pedem mestrado e doutorado pra muita vaga.
Como o autor se permitiu opinar, vou dar um dedo de palpite também.
Tenho para mim que “as chamadas competências socioemocionais” (sic) são aquilo que constroem uma carreira. São elas competências, também, que ganham o jogo da entrevista de emprego.
Mas o “job to be done” é cumprido com muita hard skill.
E pra ganhar o jogo da entrevista de emprego é preciso ter seu currículo analisado. Tenta conseguir uma entrevista de emprego sem uma boa formação acadêmica.
4. Uma pessoa hoje precisa ter empatia, capacidade de comunicação, sensibilidade, gostar de gente, condições de se adaptar ao inesperado, curiosidade permanente, amor pelo autodidatismo.
Concordo com o autor em tudo. Falta muito disso ao mundo.
5. As Universidades, em geral, – ressalvem-se honrosas exceções – ficaram congeladas num saber estéril.
Poxa vida. A produção científica do Brasil cresceu 30% entre 2013 e 2018 — o dobro da média mundial, de 15%. Houveram apagões nos anos subsequentes, mas a tendência era positiva. Nesse contexto 15 UNIVERSIDADES eram responsáveis por 60% de TODA PRODUÇÃO CIENTIFICA DO PAÍS.
Isso tudo pra serem taxadas publicamente de estéreis.
6. Aulas prelecionais, com a leitura de textos que podem ser obtidos mediante um clique, mais atualizados, coloridos, musicais (…) A tecnologia é muito eficiente. A cada dia se renova. Não há mais sentido em obrigar um grupo grande a permanecer trancado num espaço, naquela distribuição física anquilosada: fileiras paralelas, com o último aluno a enxergar apenas a nuca dos colegas à frente. Professores que repetem as mesmas informações, quando todo o universo do conhecimento está disponível a quem tenha vontade e curiosidade para consultar milhões de obras literárias que já caíram em domínio público, visitar bibliotecas, ler as teses e dissertações já aprovadas, entrar em museus e ter acesso a entrevistas e artigos científicos do mundo inteiro.
Essa é aquela ideia romântica de que todo o conhecimento da humanidade está disponível em nosso bolso. A Biblioteca do Congresso Americano o Louvre blá blá blá. Os jovens consomem dancinhas do tik tok, vídeos de gato e influenciadores digitais na cozinha. Essa é um fato duro mas real. O drop rate de vídeos do you tube com mais de 45″ é enorme e boa parte dos leitores desse artigo já taxaram ele como “textão” e o abandonaram linhas acima.
O remédio as vezes é amargo e não dá pra gente querer ensinar conceitos complexos e conhecimento de ponta com stories no Instagram.
“Ler Teses e Dissertações” é saborosíssimo para quem está ESTUDANDO NA EDUCAÇÃO FORMAL.
É OBVIO que temos muito o que melhorar.
Mas num país onde de cada 100 estudantes de 3º Ano do Ensino Médio, 83 vão virar moto boys, ajudantes de pedreiro, operadores de call center e caixas de supermercado e onde temos a enorme maioria das vagas do ensino superior OCIOSAS POR DESOCUPAÇÃO E INACESSO ver essa discussão de “mais atualizado, colorido e musical” me parece de uma ingenuidade brutal.
7. A juventude inteligente não se ajusta ao ensino convencional. Tanto que a evasão é um fenômeno que se agrava na fase do Ensino Médio.
A evasão do ensino médio é reflexo da pobreza. Da miséria e da fome.
Não tem nada a ver com esse papinho de ensino convencional.
Vai ver a evasão do ensino médio dos colégios da elite brasileira. Dante, Porto Seguro, Avenues. Um absoluto ZERO de evasão. Talvez os ricos – a juventude inteligente supracitada – tirem “anos sabáticos” de cultura e aprendizagem idílica durante turismo.
Mas no final vão cursar uma faculdade. Nem que seja pra abandonar e fundar uma start up. Mas isso é outro mito que precisamos combate com vigor.
8. O jovem antenado sabe que as profissões de hoje em breve desaparecerão e as que serão necessárias ainda sequer têm nome. Por isso aventuram-se e vão inovar, ser criativos, empreendedores, não se submetem àquilo que um mercado em plena obsolescência ainda procura incutir neles. Aventuram-se e dão certo.
kkkk… antenado é ótimo. Da época que ter uma “antena” era se conectar ao mundo.
Mas vamos aos fatos.
O jovem que abandona o ensino vai entregar pizza pra ajudar em casa. Vai perpetuar a miséria.
Quem empreendende e dá certo não só fez – na sua totalidade – faculdade como fez – em sua maioria – faculdade de administração de empresas em universidades de primeira linha.
Quando falamos em empreendedorismo & inovação acabamos analisando as start ups como as grandes referências da nova economia. Então analisar o perfil dos seus fundadores pode trazer alguma luz sobre práticas de sucesso para negócios digitais. A Distrito fez uma análise dos 100 fundadores das principais startups brasileiras e nenhum (ZERO PORCENTO) dos 100 fundadores analisados não possuía ensino superior. Não existe uma exceção para essa regra de ouro. Todos fizeram faculdade e na contramão do lugar comum, 32% são formados em engenharia, 22% administração de empresas e 15% em economia. Carreiras apontadas como decadentes por muitos analistas concentram 69% desses executivos. Outros 15% vêm das ciências da computação e 2% da T.I. (totalizando 17% com formação em código). Perdidos na estatística, os demais estão divididos de forma quase equânime em direito, publicidade, design, matemática, cinema, biologia, estatística e espanhol (entre 1% e 3%). Ainda, importante ressaltar, 57% desses ditos super founders fez pós. Alguns mais de uma. E novamente administração, engenharia e finanças concentram 75% dos cursos.
9. Enquanto aqueles que procurarem os diplomas tradicionais, poderão se frustrar ao perceberem que os anos perdidos ouvindo aulas insossas e desinteressantes de nada serviu para garantir sua sobrevivência digna e menos ainda para assegurar a prometida ascensão social.
É a principal forma de ascensão social e mobilidade segundo a OCDE, novamente. Vivemos no país que paga o maior prêmio por ano de estudo do mundo. Mas vamos a “prometida ascensão social”. Ser CEO de uma das 120 maiores companhias brasileiras é ascensão social? Porque nesse caso 95% deles possuem graduação. 48% Engenharia e 28% Administração.
https://epocanegocios.globo.com/Informacao/Resultados/noticia/2014/05/quer-ser-presidente.html
10. Há quem sustente que o ensino à distância poderá substituir o aprendizado convencional. Em tese, este se encontra em franco declínio.
Ô dó do EAD. hashtag#jesuiyduks hashtag#forçakroton hashtag#tmjdescomplica Eu tenho um monte de questionamento sobre tudo isso.
Mas “em tese este se encontra em franco declínio”, novamente precisa de uma figura pra responder:

11. O Brasil está saturado de advogados. Ele precisa é de marceneiros, pedreiros, paisagistas, jardineiros, cuidadores de pessoas com necessidades especiais, artesãos, guias turísticos, cozinheiros, especialistas em gastronomia, em formar viveiros, hortas, em restaurar nascentes. Os jovens mais brilhantes vão para a área dos games, dos audiovisuais, dos curtametragens,
Eu não tenho a pretensão de saber o que o Brasil precisa como o autor para sair da crise e evoluir enquanto economia e sociedade.
Mas a gente não precisa de uma sociedade de gente fazendo curtametragem e guias turísticos, certamente.
Eu penso que esse é um pensamento elitizado. Talvez egoísta mesmo de quem está com dificuldade de contratar um marceneiro pagando o que um marceneiro estava acostumado – historicamente – a receber no Brasil, e sai taxando que o “brasil precisa é de pedreiros”.
Essa reportagem é importante sobre esse tema: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2023/02/04/filhos-de-garis-pedreiros-e-faxineiras-1a-turma-com-cotistas-negros-se-forma-na-faculdade-de-direito-da-usp.ghtml
Eu sigo acreditando que uma economia pujante se forma com engenheiros e administradores e programadores. Se forma com o pensamento crítico de jornalistas e advogados bem formados e formados ao longo da vida.
De especialistas na área da saúde cuidando de pessoas com necessidades especiais e de ambientalistas cuidando de nascentes e formando viveiros.
Não entendo como alguém antagoniza a restauração das nascentes com a educação formal. É como antagonizar temperatura e altura. Coisas distintas.
12. Conseguem criar aplicativos, pois hoje ninguém vive mais sem o mundo web. É só comparar o que ganha hoje um profissional capaz de fazer aquilo que para os “doutores” era algo inferior – pedreiro, eletricista, marceneiro, carpinteiro, jardineiro, mecânico, etc. – e o que ganham os bacharéis.
O que ocorre no Brasil é diametralmente oposto ao que o autor escreve. Temos um bônus social por ano de estudo já bastante estudado em nosso país. E isso é um problema de fato. Economias mais maduras possuem uma desigualdade muito menor. O pedreiro dirigindo dodge ram dos filmes americanos é muito diferente do pedreiro sem teto do Brasil. Um levantamento recente mostra que um CEO tem remuneração equivalente a até 663 vezes maior que a média paga aos funcionários da sua respectiva empresa em nosso país. Um estudo da PayScale que apontou uma diferença MÁXIMA de 434 vezes nos Estados Unidos e outro da agência Bloomberg que apontou diferenças de 146 vezes na Alemanha e de 60 vezes na Suécia. Então existe uma reserva de mercado que remunera de maneira excepcional o topo da pirâmide social. Uma outra comparação possível (um pouco fora do contexto, ainda assim) é a de professores versus deputados. No Brasil a média salarial de professores é 10x menor dos deputados federais (que ganha o teto constitucional) enquanto na Suécia é apenas a metade.
13. Diploma hoje só tem servido, para quem o não leva realmente a sério, para enfeitar escritórios que mal sobrevivem ou para satisfazer uma vaidade que já caiu na arqueologia da História. Precisamos perder esse complexo colonialista de considerar algumas tarefas menores, enquanto o portador de um diploma universitário merece todas as glórias.
Novamente aquela ideia errada de que o eletricista está ganhando mais que o dono do “escritório que mal sobrevive”. Precisamos analisar no microscópio o que “mal sobrevive” significa pra cada um.
Se você quiser mais dados sobre ensino superior para utilizar em suas estratégias de marketing educacional o artigo a seguir pode ser do seu interesse: https://www.marketingeducacional360.com.br/bonus-educacional-e-uma-catastrofe-social-de-longo-prazo/