A educação médica é um dos mais excitantes segmentos do Ensino Superior. É um campo dinâmico e necessário que cresce vertiginosamente. Nem sempre da forma correta ou para o lado que é preciso. É sempre complicado consolidar e encontrar numeros sobre a demografia de cada etapa da jornada do médico e tento, aqui, trazer alguns dados que considero atuais e relevantes sobre essa área.
Pré-Formação Médica
Ninguém sabe ao certo a demanda pelas vagas da medicina no país. A fórmula pra se chegar nesse número é muito ruidosa e possui cacos de toda natureza. Os alunos prestam mais de um processo seletivo, muitos durante anos. Ainda assim chegamos em algumas conclusões interessantes.
O número de cursos de medicina e consequentemente de suas vagas explodiu no Brasil. A expansão da última década não teve precedente na história da formação médica brasileira. Na mesma medida em que a oferta foi ampliada a demanda foi reduzida. OFICIALMENTE.
Apenas entre 2016 e 2021, dados mais recentes do Censo do INEP (https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/microdados/censo-da-educacao-superior,) o numero de vagas nos cursos de medicina aumentou 60% e de Inscritos caiu 8%.
As vagas dispararam de 34 mil assentos para 55 mil assentos, e os inscritos ruíram de 1,084 milhões para 1,001 milhão (menos 83 mil OFICIALMENTE).
Isso significa que o número de pessoas únicas interessadas em medicina foi reduzido?
Não necessariamente.
O INEP contabiliza as inscrições totais de todas as instituições de ensino – COMO VOCÊ SABE BEM.
Se em 2016 – fazendo uma completa simulação COM NUMEROS ALEATÓRIOS AQUI – em média os candidatos se inscreviam em 3 vestibulares (lembre-se que isso é apenas um exercício) haviam 361 mil pessoas únicas interessadas nesse curso. Se em 2021 esse numero caiu para 2,5 vestibulares haviam 400 mil pessoas únicas na fila. Então se os candidatos se submeterem a menos exames E ISSO É UMA PROJEÇÃO BASTANTE RAZOAVEL UMA VEZ QUE O NÚMERO DE VAGAS E INGRESSOS QUASE DOBROU NOS ULTIMOS ANOS é bem possível que o número de indivíduos se inscrevendo em vestibulares de medicina tenha aumentado ainda que o numero de inscrições tenha caído.
Então os inscritos do INEP não podem ser considerados pela sobreposição de inscrições senão para ensaios.
Fazendo um ensaio aqui, se utilizarmos os dados do Think With Google para ele (que há alguns anos projetou que os candidatos consideram 2,1 instituições durante o processo de inscrição em processos eletivos) podemos afirmar que o número de CPFs em 2016 era de 516 mil pessoas concorrendo para aquelas 34 mil vagas e 476 mil pessoas concorrendo para 55 mil vagas cinco anos depois.
Uma relação extraordinária de 8,6 cidadãos por vaga e um excedente de 426 mil pessoas não compreendidas anualmente entre os ingressantes das IES.
Ainda podemos considerar que muitos alunos demoram mais de um ano na sua preparação para medicina. Na Universidade de São Paulo, eles representam menos de 10% do total de calouros da medicina na Capital. Enquanto na média total de mais de dez mil calouros (no ano de 2016) 23% tinham 17 anos na véspera da segunda fase da Fuvest, entre os aprovados em medicina esse número cai para 9,1%.
Mas a realidade da medicina da USP é a mesma do restante do país?
Não. Na contramão do ultra concorrido processo seletivo da Universidade de São Paulo, no Brasil, em 2021, os mais bem preparados jovens ocupam as vagas da medicina e esse é um curso com calouros mais novos que outros como direito e enfermagem.
Enquanto 74% dos alunos de medicina do país ingressam com até 24 anos na faculdade 44% dos alunos da enfermagem ingressam em idade universitária.
Muitos, ainda, podem optar por estudar fora do país.
O levantamento mais atual do Ministério das Relações Exteriores aponta que 65 mil brasileiros estudam medicina. Somente nos países vizinhos. Um total de 10.000 ingressantes por ano, parte dos quais deve retornar ao sistema de saúde brasileiro depois de sua formatura por meio do REVALIDA (a taxa de aprovação do ultimo revalida foi a maior da história com 32% dos médicos aprovados no exame).
Desses números é possível inferir, portanto que:
– A melhor projeção que podemos fazer é de que existam em torno de meio milhão de estudantes prestando o vestibular de medicina todos os anos;
– As vagas atualmente atendem a 10% da demanda;
– Existe um excedente de 426 mil pessoas que não ingressam em medicina e parte deve seguir estudando e prestar um novo exame no próximo ano (em torno de 53% dos aprovados em Medicina na USP em 2016 afirmaram que precisaram de pelo menos dois anos de cursinho antes de conquistar a vaga).
– O numero de inscritos pode estar crescendo mesmo que o numero de inscrições esteja caindo.
Formação Médica – Escolas de Medicina
Aqui sem muita novidade. O numero de vagas vem aumentando e temos um intervalo grande de demanda por aumento.
Não apenas de interessados em cursar medicina, mas da demanda por médicos de maneira objetiva em grande parte do nosso território.
Ainda que a razão absoluta de médicos por mil habitantes não esteja muito distante da população de países desenvolvidos (com 2,6 médicos por mil habitantes o Brasil está a frente de países como Coréia do Sul, México e China) as distorções são brutais.
Se observarmos 30% da população reside em cidades com menos de 50 mil habitantes.
Nelas a relação de médicos por mil habitantes é de 1,41. Se os milhões de brasileiros que residem nessas pequenas cidades fossem um país seriam pior desassistidos somente pela Índia, África do Sul e Indonésia. Somente esses países tem uma relação mais baixa de médicos por mil habitantes. Usar a expressão BELÍNDIA é bastante correto para analisarmos a desigualdade de médicos por mil habitantes.
Para o terço de habitantes que reside nas maiores cidades (aquelas com mais de 500 mil pessoas) essa relação é de 5,31. Se esses 68 milhões de brasileiros fossem um país seriam o 3º mais bem assistido do mundo.
Educação Continuada Médica – Desatualização do Conhecimento
Essa é uma das áreas que considero mais promissoras na jornada formativa do médico e no segmento educacional de maneira geral.
Já escrevi muito sobre isso mas não custa lembrar.
Em 1965, eu sempre gosto de recordar essa história, Gordon Earl Moore, cofundador da Intel proclamou a lei que levaria seu nome. A Lei de Moore preconizava que o poder de processamento dos computadores de forma geral dobraria a cada 18 meses, a partir daquele ano e essa tração manteve-se por meio século.
A inovação tem como irmã a obsolescência. Quanto mais produtos e versões, mais downgrade e mais descarte. Alguns estudos apontam que 50% do conhecimento que adquirimos na escola torna-se obsoleto em 20 anos. Faz todo sentido pra mim. Quando passei pelo ensino básico Plutão ainda era um planeta. O conhecimento Universitário, segundo esses estudos envelhece mais rápido. Em um ciclo de 10 anos metade do que aprendemos na faculdade está desatualizado. Essa é uma velocidade que contabiliza a Filosofia e a T.I, pra construir uma média. Na medicina essa velocidade é exponencial. Segundo Peter Densen, professor Emérito da University of Iowa Health Care, em seu conhecido artigo “Challenges and Opportunities Facing Medical Education”, de 2011, estima-se que em 1950 o tempo de duplicação do conhecimento médico era de 50 anos.
Naquele ano, tracionando-se descobertas sem maiores mudanças projetaríamos que em 2000 teríamos dobrado nosso saber sobre saúde. Em 1980, houve uma revisão drástica a luz das pesquisas, e esse tempo foi reduzido para 7 anos e em 2010, 3,5 anos. E em 2020, ele projetava, o conhecimento médico humano dobraria a cada 0,2 ano ou 73 dias. Em junho de 2022 a humanidade detinha metade do conhecimento médico que detém hoje (agosto de 2022).
Um aluno que se matricule em uma faculdade de medicina irá, ao passo atual, atravessar mais de 30 x esse processo ao ponto de a medicina de 2040 olhar para a medicina contemporânea como nós olhamos pra medicina da idade média. Com suas sangrias, símbolos e superstições.
Então uma primeira questão que me anima tanto nessa área é a obsolescência do conhecimento dela.
Educação Continuada Médica – Escassez de Especialistas
Ainda, pós-graduação médica é uma necessidade para o Brasil e é fundamental a compreensão da densidade médica no país como um alerta a escassez desses profissionais. Em um exercício de empatia projete-se para o lugar de uma mãe em Belém do Pará buscando um dos 128 psiquiatras do estado. Em meio a uma população de quase 9.000.000 de habitantes, em um contexto de aumento de transtornos mentais pós Covid, ela busca um profissional para atender seu filho. Uma tragédia compartilhada por outra mãe em São Luís do Maranhão que busca um dos 612 pediatras em um estado com mais de 7.000.000 de habitantes.
A relação de psiquiatras por mil habitante é 10 vezes menor em Belém que em Porto Alegre.
A de pediatras em São Luís é 7 vezes abaixo do Distrito Federal.
Segundo a versão mais recente da demografia médica do AMB (2023), ainda que a relação de médicos por mil habitantes tenha aumentado de maneira geral (como falamos anteriormente) a carência torna-se mais grave quando circunscreve as especialidades médicas.
No total 37,5% dos médicos brasileiros não possuem uma especialização (192.634 indivíduos). E esse número é agravado todos os anos pelo ingresso de mais médicos recém-formados competindo pelas raras vagas de residência.
Em 2019 – quando se formaram 22 mil médicos – eram 19 mil vagas ocupadas. Naquele ano houve um pequeno crescimento de 1% no total de vagas ocupadas.
Em 2021 – quando se formaram 23.8 mil médicos (um crescimento de 8%) – eram 16 mil vagas ocupadas (uma queda de 16%).
Esse é um problema menos importante hoje do que no futuro quando se formarem as turmas de 2021. Ali por meados de 2027 o numero de formandos deverá dobrar em relação ao de 2021 para o mesmo estoque limitado desses programas.
Dando a razão de grandeza dessa crise nasceram naquele ano de 2021 um total de 2.619.385 brasileirinhos frente a 1.561 residentes R1 de pediatria. Em 2019 transitou um projeto de lei que mudava de 60 para 65 anos a idade onde as pessoas poderiam ser consideradas idosas. Naquele ano mais de 9 milhões de brasileiros se encontravam nesse intervalo APENAS de idade. E um total de 380 de residentes de geriatria se preparava para atender esse contingente. Em 2021 esse número caiu para 301.
Nesse sentido tornam-se fundamentais novos percursos de formação médica especificamente para essas áreas tão estressadas pela demanda represada que precisam de uma resposta ágil de profissionais com formação consistente.