A qualidade de vida e saúde mental é tema super importante para a sociedade e para a população médica. A taxa de suicídio entre médicos é 70% maior que na população em geral, segundo dados do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.
Os números alertam.
Segundo o estudo “Saúde Mental do Médico” desenvolvido pelo Resarch Center da Afya (com o qual me envolvi diretamente em 2022 e que você pode ler aqui):
“29% dos médicos tem um diagnóstico atual de depressão que tratam e acompanham com um especialista e 23% apresentam sintomas, mas não acompanham”.
Esse número é MUITO MAIOR entre recém formados (27% tratam e acompanham) que entre aqueles formados há 30 anos (15%) e diminuem na medida que os alunos se afastam da faculdade.
Um assunto frequentemente ignorado durante a formação desses profissionais pelas mantenedoras.
São diversas as razões que levam um estudante de medicina a adoecer. O ambiente nesses cursos pode ser mais ou menos toxico de acordo com a cultura da instituição.
Existe uma simetria entre a hierarquia na medicina e no exército. Uma questão disciplinar que reflete em uma formação extremamente rigorosa para moldar profissionais para a estrutura hospitalar onde enfrentarão horários diferenciados e muita intimidação.
Existe ainda uma tensão muito grande sobre esses estudantes.
Além dos desafios emocionais da juventude, muitos vão morar longe dos pais pela primeira vez.
O perfil sócio econômico desses alunos vêm mudando, também, ao longo dos anos. Segundo os dados do ENADE 45% dos alunos vêm de famílias com RENDA FAMILIAR ABAIXO DE 6 SALÁRIOS MÍNIMOS (1 em cada 5 moram em casas com renda familiar de até 3 SM) e 82% afirmam “ter todos os seus gastos financiados pela família ou por outras pessoas”.
– 40% passaram pelo ensino público durante o Ensino Médio (16% entraram por meio de política afirmativa);
– O pai de 42% e a mãe de 34% não possuem sequer o Ensino Superior;
– 43,4% dos estudantes afirmaram o recebimento de bolsas de estudo ou financiamento, para custear todas ou a maior parte das mensalidades.
Então esse é um estudante que a cada mês na universidade torna-se mais endividado e para o qual uma dependência de disciplina possui um custo muitas vezes impagável em seu orçamento apertado.
Então a opressão do desempenho acadêmico é em muitos casos determinante para a continuidade do curso e fracassar pode destruir o futuro desses alunos.
Algumas faculdades não observam a importância da didática valorizam a reprovação como parte da liturgia do curso. E isso é errado.
Quando pesquisamos por notícias relacionadas a “suicídio” + “estudante de medicina” o Google Notícias encontra 142 reportagens sobre o tema.
Investigando a fundo algumas dessas histórias trágicas surgem passagens sobre cursos nocivos, professores lesivos e culturas venenosas de algumas faculdades.
Algumas passagens:
– “A faculdade tem uma estrutura excelente, professores muito qualificados, mas poucos são didáticos. Já tivemos turmas com 100% de reprovação e a faculdade trata isso com total normalidade. Já ouvimos da coordenação que é normal, no geral, apenas 35% dos estudantes estarem acima da média”.
– “As turmas sofrem ‘terror psicológico’ por parte de alguns professores. As pessoas que pegaram exame final, tiveram dois dias para fazer todas as provas”.
– “Algumas das frases ditas por professores de medicina: ‘Vocês podem decorar o livro e ir em todas as aulas, que talvez assim vocês consigam passar na minha matéria’; ‘Se você não conseguiu nem metade da prova, você não é capaz’; ‘Você não devia nem ir para a final, tem que reprovar direto’; ‘A dica é não pegar final, vai ser impossível passar [professor ao ser perguntado sobre principais pontos para estudar para a recuperação final]’”.
Segundo o professor Leandro Raider, doutorando em ciências médicas pela faculdade de medicina da USP a qualidade de vida e seus domínios – físico, psicológico, relações sociais e ambiente – definidos pela World Health Organization é um importante atributo no curso de medicina e pode ser afetada durante a graduação, acarretando sérios prejuízos na formação acadêmica do estudante de medicina. O Prof. Leandro monitorou mais de 20 indicadores de saúde (perfil lipídico, glicose, hemoglobina glicada, IMC, sintomas de depressão e ansiedade, resiliência, nível de atividade física, rendimento acadêmicos) de 84 estudantes de medicina num estudo longitudinal durante os 6 anos de graduação e suas conclusões foram surpreendentes.
Os resultados preliminares apontaram que os estudantes de medicina do Centro Universitário de Valença – UNIFAA possuem uma qualidade de vida muito maior que a de seus pares estudados em outras escolas médicas no Brasil e no exterior.
De acordo com Leandro “o fato de a escola médica estar situada em uma cidade do interior, a 15ª com mais qualidade de vida do estado, segundo publicação sobre o tema, pode ser um dos motivos da excelente saúde dos alunos”.
A isso se soma o “elevado investimento da instituição no centro de saúde e qualidade de vida do estudante e no centro de apoio pedagógico e psicológico”.
Por fim nas palavras do Prof. Leandro Raider, cujo doutorado está em fase final e os artigos científicos sobre o tema em breve serão publicados:
“O estudante de medicina precisa ser cuidado. Após seis anos de graduação a escola médica não pode entregar para a sociedade um profissional ‘enfermo’. As escolas médicas jamais devem ser um local que adoecem os estudantes e para que isso não aconteça, é preciso investir e monitorar a saúde dos estudantes durante a graduação. Investir na saúde e qualidade de vida dos estudantes de medicina durante a graduação é obrigação de toda escola médica que tem como propósito a formação médica de qualidade. Ter um ambiente saudável e feliz acaba se tornando um diferencial”.